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pé de cabra


me lembrei de quando fiquei grávida da Malu. tudo o que eu pensava ser realidade se desintegrou. sem saber o que fazer de mim, eu procurava conversar com as pessoas pra ver se nelas eu encontrava algum lugar onde eu pudesse ter qualquer sensação de conforto, mesmo que por breves instantes. aos poucos comecei a perceber nestas pessoas com quem eu conversava, dois tipos de relação com a maternidade. primeiro as que já eram mães. sempre me olhavam com os olhos brilhando e me falavam coisas absurdas sobre amor e felicidade. elas pareciam cartões de dia das mães com audio diante de mim. eram melosas e piegas, poderiam ter purpurina dourada ou até mesmo dispositivos musicais. outras eram um tanto amarguradas... e me diziam que eu nunca mais conseguiria dormir na vida. era tenebroso. depois tinham as que ainda não eram mães. ficavam meio catatônicas na minha frente, com os olhos ligeiramente arregalados e a respiração contida por alguns instantes. e daí vinha a pergunta: "e o que você vai fazer?". conversar com elas era um estado de desterro absoluto. com o tempo comecei a perceber que, se eu quisesse aceitar o que estava acontecendo comigo, eu teria que me manter próxima das que já tinham se tornado mães, mesmo que lá no fundo eu olhasse para elas com uma certa desconfiança... achava que na verdade a maternidade não era uma coisa tão incrível assim e que aquelas mulheres estavam se utilizando daquele discurso para tentar provar para si mesmas que a vida que elas levavam valia a pena no final das contas, já não tinham outra alternativa. o tempo passou e a Malu nasceu. entrei gente na maternidade e saí de lá como um lindo e cafona cartão de dia das mães. depois de meses, isso só foi "piorando". meu dispositivo sonoro se acoplou e podia até tocar "para ser feliz é preciso crer neste céu azul da imensidão...". recebi visitas das mulheres que já eram mães e das que ainda não eram mães. após toda a minha experiência, cheguei à conclusão de que as que ainda não era mães tinham um medo do desconhecido tal e qual tememos a morte. na mesma proporção. só que no caso, não é medo da morte. é medo da vida. as que já cruzaram essa linha sabem que o que existe do "outro lado" é continuidade e mudança absoluta do que entendemos como propósito ou prioridade. agora estou esperando Cecilia. quando a Malu tinha 7 meses, fui com ela e com o Vi para Natal. lá havia um daqueles "brinquedos" de descer em uma duna muito íngreme a uma velocidade sem tamanho. eu estava congelada de medo e o cara que empurrava duna-abaixo me fez o favor de me empurrar no 1 da prometida contagem até 3. foi terrivelmente maravilhoso. depois que cheguei embaixo e percebi que eu estava viva, subi e fui novamente. descer sem a companhia do medo foi outro barato completamente diferente, mas quando chegou lá embaixo confesso que senti saudades dele. esperar Cecilia não é mais desesperador. e o medo que assola não é mais do desconhecido. o que me acompanha agora é um medo silencioso de tomar o novo por conhecido. medo de arredondar 2 filhas pra 1. medo de não querer parar pra sabê-las cada uma ao seu modo. e pânico da comparação categorizada que rotula e engaveta estigmas a cada uma para que carreguem consigo até um bom terapeuta conseguir arrancar com pé de cabra tamanha incrustação. acho que agora preciso me concentrar em conversar não com mães, mas com filhos.

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