sertão de dentro
Para cada realidade há uma ficção.
Diante da realidade, Alexandre Severo tinha em si a inquietação de tentar adentrar as ficções, para retratar a beleza de suas estruturas poéticas desnudas.
Assim fizera com Sertanejos, trabalho importantíssimo para seu desenvolvimento como artista contemporâneo – e que vem ganhando notoriedade há algum tempo -, e assim vinha fazendo em Sertão de Dentro, sua última e inacabada investigação artística.
Severo trazia no olhar uma busca incessante por suas origens. Fossem elas as origens das paixões humanas que lhe regiam, ou as origens do imaginário cultural nordestino que lhe povoava. Pelo Sertão, nutria o respeito como devido a uma divindade. Ele sabia que a paisagem do sertão e os sertanejos que existiam diante de seus olhos, estavam carregados de um legado ficcional hereditário, e ele se recusava a aceitar que aquela fotografia a ser feita ali tivesse como fim o reforço do arremedo de uma ideia de realidade narrada e replicada à exaustão por tantos e tantos “criadores” de imagens.
“Enquanto sonhamos em empregar a técnica para revelar uma identidade não contaminada de um lugar, ou enquanto riscos de a imagem anular a identidade desse lugar, o Sertão foi se transformando e as imagens foram se tornando parte dele. Esse ensaio busca mostrar uma gente que reclama visibilidade – e não aquela imposta midiaticamente, onde vemos sempre a seca e o chão rachado – mas aquela determinada por suas próprias experiências.” (Alexandre Severo sobre a série Sertanejos)
Nascido na capital, Severo tinha plena consciência de que precisava tentar despir o repertório incrustado de um sertão folclórico.
Como um grego diante de um enigma, ele se punha repetidas vezes a caminho do encontro com este sertão-divindade, com este sertão-oráculo, em busca de respostas. Ele não queria atravessar o sertão fotografando. Romântico, como ele mesmo se intitulava, queria ser atravessado pelo sertão para que deste atravessamento restasse apenas uma evidência fotográfica. Queria tecer e sentir intimidade com a paisagem e poder, assim, trazer consigo o relato desta relação afetiva.
Após várias investidas sob a dureza de um sol que tudo via, Severo decidiu que para ter um pouco de privacidade com sua entidade-sertão, teria que traí-lo. E tirou-lhe então o elemento que mais lhe era caro: o Sol. E tirou-lhe então a luz… Se de dia era impossível despir a paisagem, por que não invadir o seu leito à noite, para juntar-se ao seu corpo enquanto esta finalmente descansava depois de um longo dia repleto de tantas narrativas repetidas à luz do sol?
Longas eram as noites e Severo as tinha inteiras para que muito de perto pudesse contemplar a seu tempo cada detalhe daquele Titã, sem medo do seu despertar. Podia finalmente penetrar suas fragilidades, sutilezas e delicadezas para conhecer suas intimidades.
Após as noites, Severo tornou a visitá-lo formalmente durante os dias, mas o que o Sertão não sabia era que o que ele via não mais era quente, ou duro, ou ocre, ou verde, ou contrastado, agora era manso, e era frio, e era sutil e era delicado… O olhar não mais temia a sua majestosidade, tampouco o tal legado ficcional hereditário. Entre Severo e o Sertão havia brotado finalmente a intimidade e o afeto.
Hoje quem dorme é Severo, enquanto o Sertão está à sua espera. Dorme um sono cujos sonhos não teremos como saber enquanto permanecermos acordados. E o que sobra são apenas as evidências fotográficas de que toda esta ficção amorosa foi real.
Conheça mais sobre o trabalho de Alexandre Severo em:
Website do artista: http://www.alexandresevero.com.br
Tumblr do artista: http://alexandresevero.tumblr.com
Iconica: http://iconica.com.br/site/sertao-sem-sol-uma-paisagem-com-a-pouca-luz-que-tem-a-noite/
Dobras Visuais: http://www.dobrasvisuais.com.br/2014/08/encantada-para-alexandre-severo/
Olhavê: http://olhave.com.br/blog/alexandre-severo/